"Um universo inteiro cabe dentro de um grão de areia..."

sexta-feira, 18 de junho de 2010

José Saramago: Nunca Cego e Sempre Lúcido...




 Na ilha por vezes habitada
"Na ilha por vezes habitada do que somos, há noites,
manhãs e madrugadas em que não precisamos de
morrer.
Então sabemos tudo do que foi e será.
O mundo aparece explicado definitivamente e entra
em nós uma grande serenidade, e dizem-se as
palavras que a significam.
Levantamos um punhado de terra e apertamo-la nas
mãos.
Com doçura.
Aí se contém toda a verdade suportável: o contorno, a
vontade e os limites.
Podemos então dizer que somos livres, com a paz e o
sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do
mundo infatigável, porque mordeu a alma até aos
ossos dela.
Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres
como a água, a pedra e a raiz.
Cada um de nós é por enquanto a vida."
Isso nos baste.
[José Saramago]



      Há muito não sentia tanto pela morte de um intelectual ilustre e famoso...
      Para completar a estranheza que amanheceu meu dia, acabei de saber da partida de José Saramago, escritor, argumentista, jornalista, dramaturgo, contista, romancista e poeta português, que se não for o que mais gosto está entre os "mais mais" para mim!
      Literato de grande, forte e importantíssimo discurso político-ideológico, que conseguiu expressar através de palavras, que muitos criticam por "n" motivos, entre eles, pela sua forma própria de escrita. Eu particularmente, não tenho do que reclamar. O jeito Saramago de escrever prende minha atenção num livro por mais tempo. O único escritor da língua portuguesa que ganhou um prêmio Nobel.
      Nos Ensaio Sobre a Lucidez, Ensaio Sobre a Cegueira e Intermitências da Morte denuncia um complexo conjunto de características, boas e ruins, presentes na contemporaneidade. Porém, o faz de forma não tão clara e compreensível para quem não quer enxergar as mazelas da modernidade.
      É incrível como numa só passagem do livro Ensaio Sobre a Cegueira, escrito em  1995,  Saramago consegue descrever tão detalhadamente uma situação degradante e chocante que tem se repetido muito constantemente nos quatro cantos do mundo, e que Fernando Meirelles consegue representar tão bem em uma cena do filme homônimo, baseado na obra supracitada. Esta cena foi vista na vida real no caos e devastação ocorridos no Haiti, Angra dos Reis e outros muitos lugares do mundo, e que o homem insiste em dizer que foi tudo culpa da natureza, por não querer enxergar a realidade dos fatos e assumir seu tão grande erro, esconder-se atrás de uma cegueira branca. Saques a supermercados, lojas, casas invadidas, etc. Quem leu o livro e/ou viu o filme entenderá bem o que estou falando. Interessante ressaltar que esta cena no filme foi gravada na cidade de São Paulo, em meio à sua eterna e caótica "Selva de Pedras".
      É um livro que vale muito a pena ler, assim como se deleitar com o filme, que o próprio Saramago, de início era contra as gravações, mas depois que viu o resultado mostrou-se maravilhado com o trabalho de Meirelles e sua incrível capacidade de representar tão bem uma obra literária através da 7ª Arte. Eu, particularmente, não sou muito fã de filmes baseados em livros, porém, este realmente é, para mim, o melhor e mais bem detalhado. Já no Ensaio Sobre a Lucidez a leitura que fiz foi sobre política e poder. Assunto que dá muito "pano pra manga".


"Há coisas que nunca se poderão explicar por palavras."
[José Saramago]

      Das obras literárias não-espíritas que li as de Saramago estão entre as 20 mais, junto com Dom Casmurro, O Pequeno Príncipe, O mundo de Sofia, Cem anos de Solidão, Memórias Póstumas de Brás Cubas, O Primo Basílio, Senhora, Equador, Vítimas Algozes, Viva o Povo Brasileiro, O Alienista, O Caderno Rosa de Lori Lamby, entre outras, ah, e as "Alices de Carroll", é claro.
      De Saramago li Ensaio Sobre a Cegueira, Ensaio Sobre a Lucidez, Intermitências da Morte, O Evangelho Segundo Jesus Cristo, mas pretendo ler e ter toda a sua produção. Já comecei! Já tenho O Homem Duplicado (2002), faltam só os outros 16 romances: 
    * Terra do Pecado, 1947
    * Manual de Pintura e Caligrafia, 1977
    * Levantado do Chão, 1980
    * Memorial do Convento, 1982
    * O Ano da Morte de Ricardo Reis, 1984
    * A Jangada de Pedra, 1986
    * História do Cerco de Lisboa, 1989
    * O Evangelho Segundo Jesus Cristo, 1991
    * Ensaio Sobre a Cegueira, 1995
    * Todos os Nomes, 1997
    * A Caverna, 2000
    * Ensaio Sobre a Lucidez, 2004
    * As Intermitências da Morte, 2005
    * A Viagem do Elefante, 2008
    * Caim, 2009

5 Peças teatrais:
    * A Noite
    * Que Farei com Este Livro?
    * A Segunda Vida de Francisco de Assis
    * In Nomine Dei
    * Don Giovanni ou O Dissoluto Absolvido

3 livros de Contos:
    * Objecto Quase, 1978
    * Poética dos Cinco Sentidos - O Ouvido, 1979
    * O Conto da Ilha Desconhecida, 1997

3 livros de Poemas:
    * Os Poemas Possíveis, 1966
    * Provavelmente Alegria, 1970
    * O Ano de 1993, 1975
 
4 de Crônicas:
    * Deste Mundo e do Outro, 1971
    * A Bagagem do Viajante, 1973
    * As Opiniões que o DL Teve, 1974
    * Os Apontamentos, 1977

Seus Diários e Memórias:
    * Cadernos de Lanzarote (I-V), 1994
    * As Pequenas Memórias, 2006

Relatos de Viagens:
    * Viagem a Portugal, 1981

E por fim sua obra Infantil:
    * A Maior Flor do Mundo, 2001

      A partir desta última foi feito este curta de animação, de Juan Pablo Etcheverry, com a qual venceu o Anchorage International Film Festival no Alaska, melhor filme de animação no Festival Contraplano 08 em Segovia, Melhor Argumento no Chicago Short Film Festival, melhor curta-metragem de ficção ou de animação no Festival Internacional de Cine Ecológico e Natureza de Canarias, Melhor Curta-Metragem Espanhola por votação do público infantil, entre outros.


Muito bom!








Poema à boca fechada

"Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo."

[José Saramago]




José de Sousa Saramago
* 16/11/1922
+ 18/06/2010



"Todos sabemos que cada dia que nasce é o primeiro para uns e será o último para outros e que, para a maioria, é só um dia mais."
[José Saramago]


Fontes: Site oficial de Saramago, Site Oficial do Filme Ensaio Sobre a Cegueira e Blog Pensador





Anne Barreto
18/06/2010


5 comentários:

  1. R.I.P Grande Saramago. Grande perda mesmo...

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  2. gostei da postagem, ele merecia isso....

    estou copiando uma parte pra enobrece-lo....

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  3. Pois é mé!! Hoje foi um dia morto...
    Matheus,
    Que parte?!
    Escrevi tão bem assim, pra sucitar essa vontade de copiar?! rsrs

    Mas eu deixo!
    Vc é gente fina e Saramago merece mesmo...

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  4. Own Anne..
    Também fiquei meio arrasada. Saramago era um dos grandes. Um daqueles que não dava pra passar despercebido.
    Li dele Memorial do Convento, Todos os nomes, O homem duplicado e Ensaio sobre a cegueira.

    Como bem disse Fernando Meireles: Hoje definitivamente o mundo ficou mais burro e mais cego.

    Beijo.

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  5. Com certeza...
    Mas ele deixou suas marcas, as quais farão dele eterno...

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Obrigada! =]